O governo da presidente Dilma Rousseff decidiu manter em sigilo o tamanho exato da dívida e quem são os devedores de taxas destinadas à Caixa Econômica Federal por conta da administração de fundos e programas sociais. O banco público é contratado pelo governo para executar programas como o Bolsa Família e precisa ser remunerado pelos serviços prestados. Em processos de conciliação que tentaram, sem sucesso, garantir os repasses à Caixa, a Advocacia Geral da União (AGU) relacionou a falta de pagamento dessas taxas de administração ao represamento de recursos conhecido como “pedaladas fiscais”.
A União passou a protelar o pagamento das tarifas, um tipo de “pedalada” que gerou um débito incalculável com a Caixa; parte desse débito já é cobrada na Justiça Federal em Brasília. A composição da dívida, com o detalhamento de todos os programas pelos quais a instituição financeira deveria ser remunerada, permanecerá oculta.
Para tentar obter a dimensão exata dessa “pedalada”, que passou ao largo inclusive das auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), foi pedido à Caixa o detalhamento de dados registrados nas demonstrações contábeis do banco. O balanço público informa apenas, e de maneira genérica, que em 2015 a Caixa tinha R$ 1,9 bilhão a receber por “administração de fundos e programas sociais”. No ano anterior, eram R$ 1,98 bilhão. O valor, porém, se refere a prestação de serviços de fundos e programas sociais “incluindo União, estados, municípios e entes privados”, conforme informado pela própria Caixa.
O pedido pela Lei de Acesso, apresentado em 29 de julho de 2015, cobrou o valor pormenorizado de cada fundo e programa; o tamanho exato das dívidas da União, dos estados e das capitais; e o valor privado envolvido. Todas as instâncias previstas na lei negaram. A decisão definitiva foi tomada por uma comissão mista integrada por representantes de nove ministérios.
Para negar o detalhamento dos valores das taxas a receber, a Caixa alegou que as informações devem ser mantidas em segredo por se enquadrar no artigo 6º do decreto de 2012 que regulamentou a Lei de Acesso. O artigo prevê que o acesso à informação não se aplica em hipóteses de “sigilo fiscal, bancário, de operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial e segredo de justiça”.
Em resposta a um recurso, o vice-presidente de Finanças e Controladoria da Caixa, Márcio Percival Pinto, acrescentou mais um argumento: “A composição das contas referenciadas envolve informações próprias de mercado e da atuação e estratégia desta empresa pública”.
O entendimento não foi unânime no governo. Uma análise da área técnica da Controladoria Geral da União (CGU), a terceira instância para recurso prevista na Lei de Acesso, enxergou “princípio da publicidade” na informação. “Os contratantes, neste caso, são pessoas políticas — a União, os estados e municípios, aos quais o direito de privacidade não assiste. Ao contrário, as informações derivadas das relações constituídas pelas pessoas políticas obedecem, regra geral, ao princípio da publicidade”, argumentou a analista de Finanças e Controle da CGU Maíra Luísa Milani, responsável por dar um parecer.
A analista afirmou ainda que “os contratos de prestação de serviços firmados pela Caixa com os entes políticos não são conquistados em um mercado de livre concorrência entre as instituições financeiras”. “A própria Caixa reconhece, nos esclarecimentos prestados à CGU, o caráter não concorrencial dos serviços prestados, em razão da ‘exclusividade legalmente imposta hoje’.” Conforme a analista, os relatórios de gestão disponíveis não informam os “valores devidos pela União, estados e capitais”.
O parecer sugere que a Caixa informe os fundos e programas com taxas a receber e diz que o banco “descumpriu procedimentos básicos da Lei de Acesso à Informação”. Mas o ouvidor-geral da União Gilberto Waller Júnior superior da analista de Controle, discordou do parecer. Para ele, a informação deve ser pública, mas fornecida pelos devedores. Esse levantamento seria impossível de ser feito, por envolver diversos ministérios, 27 unidades da federação e as mais diferentes cidades. Na última instância prevista em lei, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações concordou com o ouvidor-geral. A informação foi negada, com base no argumento do sigilo bancário.
Fonte: O Globo